
O que você pensaria se um médico lhe orientasse: "Para evitar o contágio de doenças venéreas, use camisinha." Pois é, a minha intenção no post sobre abordagem e busca pessoal foi justamente orientar o policial a trabalhar com segurança jurídica, protegido, "encapado". Existem infinitas formas de colocar no papel que a abordagem se baseou numa fundada suspeita. É só saber escrever.
Entretanto, o que me deixa indignado é quando alguém vem criticar o trabalho do policial ponta de linha. Aparece-me um estudante de Direito insinuando que o cidadão deve se negar a ser submetido a busca pessoal, sob a alegação de que é um procedimento violento. Veja o que ele disse:
Arcadievitch Tsuki-yami silva gomes de sa disse...
Sou estudante de direito, estou no 3º periodo, e gostaria de lhe agradecer por essas informações postadas, pois estou realizando uma pesquiza cientifica sobre o determinado tema. Gostaria de saber em quais situações uma pessoa pode se negar a ser abosdada, já que tal negativa pode lhe render caro, e inclusive sofre vilencia fisica, entao caro colega, como seria a caminho de uma pessoa que se negou a ser averiguada, consentindo ela que essa abordagem é feita sem fundada suspeita?
agradecido
Veja agora o que respondi:
José Ricardo disse...
Arcadievitch, o cidadão não pode se negar a ser abordado, já que existe previsão legal para tal procedimento. A negativa caracteriza crime de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal. Pelo seu conhecimento jurídico, você deve saber que os atos administrativos são imperativos e autoexecutórios, isto é, impõe-se aos terceiros independentemente de concordância. Igualmente, têm presunção de legitimidade e veracidade. Dessa forma, até prova em contrário, presumem-se legais.
No momento da abordagem, cabe ao cidadão tão somente obedecer às ordens emanadas pelo policial, até pela própria segurança. Abordagens são situações tensas e de risco. Não é brincadeira. Aquele momento não é o adequado para ponderar, questionar ou bater-boca. Não torne a situação ainda mais estressante do que já é.
Não confunda constrangimento com violência física. Abordagens e buscas pessoais não têm nada de violência física. Absolutamente nada.
Se o cidadão se opor à execução do ato, mediante violência ou ameaça, ele pratica o crime de resistência, previsto no artigo 329 do Código Penal. Nesse caso, o policial pode usar dos meios necessários para vencer a resistência ou defender-se, consoante artigo 292 do Código de Processo Penal. Isso não é violência nem truculência, e sim o uso legal da força.
Portanto, sendo a abordagem e a busca pessoal atos legítimos, imperativos e autoexecutórios, cabe ao cidadão obedecer e respeitar o policial, pois este está apenas cumprido seu dever de proteger a sociedade.
As medidas adotadas pelos policiais constituem-se em atos administrativos e, como tal, independem de concordância do cidadão para serem efetivadas, pois representam o Poder de Polícia do Estado em favor da coletividade e do interesse público. Igualmente, os atos administrativos têm presunção de legitimidade e veracidade, ou seja, até prova em contrário, pressupõe-se que foram realizados de acordo com a Lei e o Direito.
Dessa forma, como dito, ao cidadão cabe tão somente obedecer, sob pena de ser preso por desobediência.
Pelos comentários no post, percebi que algumas pessoas não gostaram da ênfase que foi dada acerca da expressão "fundada suspeita". O que eu quis focar é que devemos trabalhar com segurança jurídica. Mas não é só isso, tem mais algumas coisas.
1 - Antecipação
A experiência profissional nos permite identificar quando determinada ocorrência será alvo de apurações. Nesses casos, é imperioso se antecipar. Particularmente, eu sempre me antecipava, em todas as ocorrências, arrolando testemunhas, lavrando o auto de resistência, confeccionando um boletim de ocorrência bem fundamentado, motivando as providências adotadas.
Já figurei como indiciado, sindicado, envolvido, etc., em diversos expedientes apuratórios. Ex-vereador reclamando que o filho dele foi abordado de forma truculenta; tiro e tumulto durante abordagem num baile funk; acidente de viatura; mulher que apareceu com lesão na cabeça durante abordagem a uma boca-de-fumo; agente penitenciário alegando abuso de autoridade e atentado contra a dignidade humana por ter sido conduzido à delegacia no porta-malas da viatura... Tudo foi arquivado, não chegaram sequer à fase acusatória, visto que eu procurava me antecipar. “Sobressai-se em resolver as dificuldades quem as resolve antes que apareçam." - Sun Tzu.
Os direitos, garantias e liberdades individuais previstos no artigo 5º da Constituição não são absolutos, mas sim relativos. Além disso, o uso da força é inerente à profissão policial-miliar. Em circunstâncias específicas, o policial pode até tolhir o direito à vida do cidadão, usando de força letal, e ir embora livre para casa, porquanto o agente público não pode ser preso por ter agido no estrito cumprimento do dever legal.
2 - Onde está escrito?
Para agir com confiança e pautado pela legalidade, é preciso conhecer as leis, saber onde está escrito. Do contrário, qualquer advogado vai lhe passar para trás.
Enquanto o cidadão pode fazer tudo o que lei não proíbe, o agente público só faz aquilo que a lei determina. Consequentemente, tudo que o policial faz deve estar previsto em lei. Se o policial não faz aquilo ou do modo que a lei prescreve, advogados e juízes podem entender que ele praticou abuso de autoridade. A coisa é realmente séria.
Portanto, sempre pergunte: Onde está escrito?
3 - Teoria da árvore dos frutos envenenados
Para que suas ações prosperem, deem frutos, é necessário que sejam pautadas na legalidade.
Pela teoria da árvore dos frutos envenenados, as provas ilícitas ou obtidas por meios ilícitos têm o condão de contaminar/envenenar as demais provas decorrentes, ou seja, o processo que contém prova obtida por meio ilícito é nulo e todos os atos decorrentes, também, devem ser tidos como nulos. A Constituição Federal abarcou tal teoria, tornando-a cláusula pétrea.
Constituição Federal, artigo 5º, inciso LVI - São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
Cito, novamente, o julgamento do Superior Tribunal Federal que arquivou um processo porque entendeu que a busca pessoal foi realizada sem haver fundada suspeita, ou seja, a prova foi obtida por meio ilícito.
(...) A “fundada suspeita”, prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de que trajava, o paciente, um “blusão” suscetível de esconder uma arma, sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder. Habeas corpus deferido para determinar-se o arquivamento do Termo.
- HC 81305, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 13/11/2001, DJ 22-02-2002 PP-00035 EMENT VOL-02058-02 PP-00306 RTJ VOL-00182-01 PP-00284)
Portanto, para que nossas ações prosperem, deem frutos, é preciso observar a legislação. Senão, vamos apenas "enxugar gelo".
4 - Panaceia versus repressão qualificada
Certos ensinamentos a gente internaliza. Quando eu fiz meu curso de soldado, um tenente-coronel, cujo nome não me recordo, disse algo que ficou guardado em minha memória. "Estão tratanto a operação batida policial como se ela fosse uma panaceia, mas ela não passa de uma novalgina. Não funciona para todas as doenças."
panacéia
[Do gr. panákeia, pelo lat. panacea.]
Substantivo feminino.
1.Remédio para todos os males:
2.Preparado que tem certas propriedades gerais.
3.Fig. Recurso sem nenhum valor empregado para remediar dificuldades. [Sin. (p. us.), nessas acepç.:
Fonte: Dicionário Aurélio
Eu me lembro que o tenente-coronel criticou a forma como a batida policial era usada para resolver todos os problemas de segurança pública. Se os furtos aumentam, batida policial! Se os homicídios aumentam, batida policial! Se as brigas de casais aumentam, batida policial! Se os acidentes de trânsito aumentam, batida policial!
Nesse mundo imaginário, tudo seria solucionado mediante aplicação imoderada e indiscriminada da batida policial.
Mas o oficial superior nos apresentou a solução. Repressão qualificada mediante inteligência policial. É preciso avaliar o paciente, diagnosticá-lo, analisar os sintomas, fazer exames, a fim de que seja dado o remédio que efetivamente combata a doença específica. Nenhum remédio combate todos os males à saúde. No mundo real, a panaceia ainda não existe.
Segurança pública se faz com inteligência, levantamento de informações, cruzamento de dados, monitoramento de marginais e de quadrilhas, amplo conhecimento do local de atuação, do modus operandis dos criminosos, etc. As importantes prisões e as grandes apreensões são fruto do trabalho de inteligência, do trabalho com a informação.
Portanto, menos força, mais inteligência.
5 - Cada um correndo seus próprios riscos, conscientemente
Eu não sou santo. Claro que não vou confessar meus pecados, haja vista que ninguém é obrigado a criar provas contra si mesmo. Mas tudo que fiz foi assumindo riscos conscientes.
"Para falar errado, precisa saber falar certo." - Adoniran Barbosa
"É preciso saber todas as regras para, depois, quebrá-las." - Autor desconhecido
De fato, até para fazer o errado, é preciso saber o correto. Na tática policial, tem-se que "o risco desconhecido é geralmente o risco que mata". Na área jurídico-operacional, o militar é geralmente punido pelos riscos que desconhece, por não saber o que é legal ou ilegal.
Enfim, cada um deve correr seus próprios riscos, como eu já corri e vou continuar a correr. Abordagens com ou sem fundada suspeita são um dos meios que mais tiram criminosos das ruas. Portanto, não deixe de abordar, mas o faça de maneira criteriosa, consciente e, ao redigir o BO ou prestar um depoimento, fundamente o motivo de ter submetido o cidadão à busca pessoal, sob pena de suas ações não prosperarem.
fonte: http://www.universopolicial.com/2009/01/busca-pessoal-atributos-do-ato.html
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